7.29.2006

Encontro com Lia Chaia

(Publicado no site Cronópios)

No início do ano houve, no Instituto Itaú Cultural, uma mostra de setenta e dois jovens artistas selecionados ao longo de quatro anos, oriundos de todos os cantos do Brasil, chamada “Paradoxos”, do programa “Rumos Itaú Cultural”. O resultado foi tão medonho quanto ambicioso o projeto. Lembro-me do quanto lamentávamos, eu e Marco Buti, ao constatar a falta de qualidade, a carência de propostas, de originalidade, de sensibilidade, de relevância em praticamente tudo o que estava ali exposto. Certamente a curadoria poderia ter feito uma seleção mais criteriosa, porém a sensação, diante do conjunto, era de que não teríamos tão cedo uma nova geração de artistas com algo a dizer.
Contudo, saí mais satisfeito da exposição “Via invertida”, de Lia Chaia, em cartaz até 19 de agosto na Galeria Vermelho. Ela era uma das poucas – três? quatro? – exceções na coletiva supracitada que nos propicia alguma esperança. Digo isso como quem de fato torce por um ambiente cultural mais consistente, e que, tendo acompanhado a obra da artista há alguns anos, percebe uma evolução. Lia, ainda no início de sua trajetória (27 anos), tem mostrado um interessante diálogo entre caos urbano e natureza. Por vezes usando o próprio corpo como limiar entre mundos biológico e civilizado, por outras pavimentando imagens delicadas, ela tem conseguido algum destaque ao imprimir um toque pessoal, singelo, nas obras que realiza.
A instalação que mais me impressionou foi a da sala principal, sem título, que a meu ver contrapõe o caos metropolitano – uma colagem inclinada de edifícios ao longo do minhocão – à uma outra vertigem, bem mais sutil, provocada pelos suaves traços em círculo no chão. Caminha-se um tanto claudicante sobre um piso de concreto desnivelado, enquanto o gesto mais informal e espontâneo, dos círculos rabiscados, também desorienta, dessa vez devido a uma sugestão quase hipnótica de suas formas.
Convido Lia para trocarmos algumas palavras. Não resisto a comentar que seu olhar tem a inocência de criança que ateou fogo na casa - sorriso tranquilo de quem desconhece a ordem instituída. Não tem pose de estrela, não se deslumbra com o prestígio recebido. Ela diz que a mídia é passageira, que as coisas passam muito rápido. Quer aproveitar enquanto está em evidência, mas sabendo que de uma hora para outra pode ser descartada. “Um dia a gente tá no jornal, no outro o jornal tá embrulhando o peixe.”
Entre suas influências estão Regina Silveira, Tarsila, Matta-Cark, uma cubana chamada Ana Mandieta, Burle Marx, o cinema. E, talvez principalmente, a cidade. “Sair e ver o que tá acontecendo”: os prédios, os viadutos, as personagens, as gambiarras dos vendedores ambulantes. O que há de concreto e o que há de efêmero na vida urbana.
Percorremos juntos o espaço da galeria. No segundo andar, há duas séries que registram a passagem do tempo. Em uma, o tempo cíclico das estações, marcado pela mudança de cor nas folhas das árvores. Na outra, a transformação linear da reforma de um prédio, progredindo de um amontoado de materiais brutos a uma quadra esportiva completa. De quando em quando, ouvimos sons de motor e hélices, para nos lembrar que a fachada da galeria foi pintada como uma pista de pouso para helicópteros.
“Eu acho que gosto de estar numa cidade caótica” diz a artista. “Morei seis meses em Paris e achei muito organizada; queria um lugar mais parecido com São Paulo. Depois fui para a Cidade do México (pela bolsa Iberê Camargo), e gostei de perceber o contraste.” Uma das obras expostas, “Choque”, em que carrinhos à pilha se trombam constantemente, é uma referência ao trânsito na capital mexicana.
Tanto a cidade está entranhada em Lia Chaia que seu vídeo “Minhocão” nada mais é do que a artista retirando, cuidadosamente, fotografias de edifícios da boca. “É a continuação de uma obra anterior, em que eu devorava paisagens urbanas. Mas não é só pelo caos que eu gosto de São Paulo: com pouco mais de uma hora estamos na praia, em contato com o mar”, ela diz, enquanto me exibe belas fotos de desenhos sobre a areia.
O que carrego comigo, de toda a conversa que tive com Lia, é a impressão de que ela busca aproximar opostos. Caos e suavidade; cidade e natureza; introversão e extroversão. Tanto a violência da concretude como a delicadeza são capazes de nos desnortar. Creio que a artista ainda tem muito a mostrar no futuro, e fico desde já curioso com os desdobramento de sua obra nos próximos anos. Antes de nos despedirmos, comemos um sanduíche na Rua Augusta, expostos inevitavelmente aos contrastes da metrópole.
“A cidade é apocalíptica, caótica, mas é onde eu vivo. Eu simplesmente não posso propor outro tema.”


“Via invertida” de Lia Chaia – até 19 de agosto, terça a Sexta das 10h às 19h, sábado das 11 às 17h. Galeria Vermelho – rua Minas Gerais, 350, www.galeriavermelho.com.br

1 comment:

Anonymous said...

bom comeco