7.09.2006

A bola e a bandeira

Crônica sobre a derrota do Brasil.
Minha estréia no Cronópios!

Não é de hoje; sempre olhei para a bandeira do Brasil e a considerei de uma pobreza visual tão lamentável quanto a falta de dentes na boca de um miserável. Não o digo por decepção com a equipe de Parreira, embora a ausência de garra que se viu em campo, neste último sábado contra a França, tenha certamente reiterado a minha antiga sensação. Talvez me chamem de anti-patriota, ou quem sabe coisa pior; no entanto tenho meus argumentos com que me defender.

É fácil observar como as cores da bandeira são enfadonhas: verde, amarelo e azul, sendo que todo verde é mistura de amarelo com azul. Pobreza cromática evidente. Se houvesse, por exemplo, um pouco de vermelho, a composição já teria mais paixão, pois vermelho é uma cor que aciona o sistema nervoso, coloca qualquer animal de sangue quente em estado de alerta. Mas, em nosso caso, o que temos é o predomínio do verde, uma cor fria que sugere calma, tranquilidade – eu diria até mesmo passividade.

No campo de futebol, também verde, os brasileiros pastaram, apáticos como se não tivessem sangue nas veias. Deixaram que os franceses tomassem conta do jogo, e mostraram uma atuação vexaminosa no esporte que é praticamente o único motivo de orgulho nacional. Não acho que futebol deva ser considerado uma prioridade, mas é fato que nada confere maior identidade ao brasileiro do que onze jogadores em campo vestindo a camisa amarela.

Temos o amarelo - que deveria ser ouro. É este o simbolismo do bizarro losango que mal se encaixa sobre o verde-selva da flâmula. Porém jamais vimos a cor do ouro. Bem sabemos que o nobre metal foi vilipendiado sem o mínimo pudor pela coroa portuguesa, extrativista e exploradora durante todo nosso passado colonial. O amarelo em nosso estandarte não é dourado – apenas o singelo amarelo, cor que recua. E tampouco o azul estrelado nos parece infinito – não assim, sufocado entre tantas arestas, dentro de um losango que se posiciona com frouxidão em um desenho pouco dinâmico – Kandinsky concordaria comigo, tenho certeza.

A expectativa de que um círculo pudesse resumir o infinito estava encarnada na bola de futebol. A esperança era de que nossos jogadores, heróis nacionais, movimentassem o amarelo de suas camisas com graça e criatividade sobre o gramado. Pensávamos que, com os melhores boleiros do mundo, a imagem inerte e apática que temos de nosso país seria literalmente driblada, e ao menos durante uma copa do mundo poderíamos nos sentir uma grande potência. Infelizmente não foi o caso, e o que se viu em campo ecoou tudo o que há de estanque em nosso estandarte e em nossa realidade.

Parece deprimente minha análise? Talvez seja, mas minha vontade de ver o país avançar nunca precisou de amores por uma bandeira. Aliás, se levarmos a sério o universo das representações, o melhor seria mudarmos urgentemente o nome que deram à nossa terra. Se pensarmos bem, quando a torcida, exaltada, grita “Brasil!” nada mais faz do que repetir o eufemismo que os portugueses deram para “Escambo”. Pois, se nos batizaram dessa maneira foi para designar a fonte de renda fácil que nossos primeiros ludibriadores aqui encontraram, naquele não tão remoto século XVI.

Para completar a composição, nem ordem nem progresso podemos dizer que façam parte da agenda política nacional. Não quero parecer ressentido, apenas lamento o ufanismo intermitente de uma nação que usualmente não demonstra maiores ambições do que ser o país do futebol. E talvez nem isso sejamos, pois o fato é que jogamos muito mal, sem aplicação, sem vontade. Perdemos com uma equipe repleta de estrelas, de fato foi decepcionante, mas melhor seria que as pessoas torcessem pelo Brasil, e não apenas pelo nosso futebol.


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