8.14.2008

Flávia

Há anos eu quase não pensava na Flávia, mas ontem à noite sonhei com ela. Ela que encarnou meus maiores traumas, que me forçou aos mais estrambólicos desvios. Foi há muito tempo, no final do século passado. Já não tenho direito de guardar mágoas, mas só pelo avesso posso me certificar de que se foram. Sonhei que conversávamos em paz. Ela um pouco diferente, com os cabelos roxos, o rosto sereno. Não lembro do que dizíamos um ao outro, exceto uma solenidade madura, meio budista.
 Quem se agitava eram meu pai e meu irmão. Não os convidamos, mas faziam a ronda, presumindo um perigo que não existia. Fingíamos que não estavam ali, como se pertencessem à mera opinião.

Tenho pensado pouco na Flávia, mas penso bastante em Larissa, personagem do Puro Enquanto. Que é meu livro costurado com sonhos. Não há lugar, no livro, para uma Larissa tão suave quanto esta Flávia recente. Larissa é a Flávia que me marcou, mas não sei até que ponto elas coincidem. Confundiram-se por anos nos meus sonhos, hoje entendo que nenhuma das duas foi maldição. Por mais que a traição tenha doído na carne.

Eu a admirava e odiava ao mesmo tempo, pela audácia de dar prazer a mim e ao meu melhor amigo. Logo ela, a primeira mulher a quem eu realmente me entregava. Logo eu, que me sentia sem pai e sem pátria. Que me escorava nos outros para não saber dos pés. Que tinha nos amigos a única religião. Poetas morrem desses males, mas pouco importa, não houve erro. Eu estaria sempre só, a não ser que descobrisse em mim um bocado de deus. Sem metafísica e sem Verdades.

Às vezes me pergunto o que seria de mim se não fossem os abalos. Impossível saber, eis que sou fruto de grandes desvios. Não fossem as verdades e mentiras que tiveram início com Flávia, talvez eu me perdesse na retidão. Não fossem os descaminhos, eu jamais me alinharia. Traição maior teria sido rejeitar o Abismo, que eu tanto receava adentrar.

Não há necessidade de perdoar Flávia, pois pecado não é a melhor palavra. Não foi a mulher mais desonesta com quem me envolvi, tampouco a mais vã. Maior desgosto me causam as que traem a si mesmas. Essas, podem pensar que são respeitáveis, mas em sonho algum merecem perdão por suas faltas.

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