No século XX, Freud abriu caminho para a revolução sexual, o que lhe garantiu posição de herói para a vanguarda artística. Em especial os surrealistas acompanhavam com avidez suas teorias. À sua maneira, eles reproduziam nas obras uma vitória contra a repressão semelhante à que o vienense obtinha com suas neuróticas. De arte moderna para pós-moderna, a intelligentsia de hoje não lembra muito a boemia de outrora. Está mais parecida com a neurótica, sofrendo de paralisia, do que com os sensualistas da revolução surreal. Suas obras procuram ser impenetráveis, não seduzem, não flexionam, não permitem o prazer nem a entrega. Bem representativo é um vídeo do plano fechado de uma cabeça, mais meditativa do que excitada, que não interage com nada enquanto aguarda por uma esguichada de sêmen. A corrente se diz pós-moderna, mas talvez seja um platonismo mal-ajambrado: separação do corpo e da alma, privilegiando o intelecto; desprezo pela arte, vista como deturpação do mundo das Idéias; e a crença de que o filósofo poderia salvar a República. Com um platonismo tão fraco não há atualização possível, o caminho para “sair da caverna” passa sempre por um desencanto com o corpo. Outro vídeo poderia ter uma sutileza erótica notável, não fosse o mal uso da filosofia: o fôlego de dois parceiros sexuais percebido apenas pela maneira como partículas de pó são espalhadas pelo sopro. A corporeidade estaria nesse movimento resfolegante, que, no entanto, se faz com intervalos tão longos que podemos associá-los a uma partida de xadrez, mas não a movimentos de alcova.
No teatro, no cinema e na literatura contemporâneos não encontramos os mesmos sinais de pudor ascético. Pelo contrário: Philip Roth, um dos maiores romancistas vivos, disse não ter muito respeito por escritor que não saiba falar de sexo; Lars Von Trier intercala filmes pornô com obras-primas como Dogville; e qualquer um que acompanhe o teatro dos Satyros nota que ainda se pode fazer do sexo uma provocação consistente. Talvez a falta de libido nas artes plásticas tenha alguma solução, mas é preciso que se comece a olhar para outras referências. Aqui e ali há quem apresente algo estimulante – um exemplo é Natacha Merritt, que rompe a fronteira entre pornografia e grande arte nos mais lascivos auto-retratos.
A ala mais careta das artes plásticas associa sexualidade à indústria cultural, como se a única posição do sexo fosse a de mercadoria. Nossos artistas estão confundindo resistência com desistência, com um apego à derrota que chega a ser neurótico. É como se o sexo já não nos pertencesse, completamente anexado pela direita. Mal se pode enveredar por seus territórios, irremediavelmente perdidos para o inimigo... Mas de que adianta acusarem a pasteurização do sexo promovida pela mídia, se a alternativa que oferecem é um discurso da impotência?

Foda, de Lia Chaia
Voltando à questão inicial. Um artista conceitual, antes de se declarar artista, deveria considerar com inquietação: Por que pensar? Ainda mais ao falar de sexo – o intelectual se rende muito fácil à masturbação. Ao menos uma obra da exposição conseguiu me dar uma boa resposta. O título poderia ser menos óbvio – Foda – no entanto, Lia Chaia mostrou uma proposição inteligente sem desprezo pelo sensorial. A partir de uma incursão à Rua Augusta, famosa pelos prostíbulos, ela criou uma composição com losangos, juntando espelhinhos contra um fundo vermelho. Os losangos se organizam concentricamente, ocupando boa parte da parede, estando o centro à altura da virilha do espectador. As formas vibram de maneira frenética, em jogo com o reflexo especular e com a cor quente, fazendo com que o olhar oscile para dentro e para fora da composição. Por mais cerebral que seja, dificilmente uma obra de arte se relaciona com a percepção de maneira mais íntima e intensa. A despeito de todo o recato reinante na pós-modernidade, não há bons motivos para achar que vida e arte não possam ser bons amantes.
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