4.21.2007

Uma cultura do crime?

Terceira semana de abril de 2007. Segunda-feira, o estudante sul-coreano mata 32 pessoas na Virginia. Na terça, guerra de tráfico no Rio de Janeiro com tiroteio a céu aberto. Quarta, um dos piores atentados no Iraque, matando centenas de pessoas. Sexta, um engenheiro invade a NASA, mata um refém e se suicida.
Será que é apenas coincidência? Tantas cenas dramáticas ocorridas em tão pouco tempo? Minha hipótese é de que, de alguma maneira, um acontecimento "estimulou" o outro. Não sou assassino para saber, meus maiores crimes são cometidos por personagens... mas desconfio que o primeiro a derramar sangue despertou alguma coisa nos outros. Um apelo instintivo que disparou o que há de mais primitivo na mente humana - porém, creio eu, sem deixar de se articular com o que chamamos de linguagem.
A partir da quarta-feira, diante do famoso pacote de vídeos e fotos de Cho Seung-hui, ficamos a par do quanto o atirador de Virginia entendeu seu crime como uma forma de comunicação. É preciso levar isso em conta: neste mundo em que a moeda corrente é a informação, passa a existir uma sub-cultura do assassinato. A maioria de nós só pode constatar isto de maneira vaga e indireta - é bem pouco provável que eu mate alguém, ou que os amigos com que me relaciono o façam - mas entre diferentes criminosos parece haver alguma sintonia, o compartilhamento de uma sensibilidade extremada.
Assistindo aos vídeos que Cho Seung-hui enviou à NBC, é evidente, por exemplo, o quanto ele se identificava com os dois atiradores de Columbine, Eric Harris e Dylan Klebold, que na mesma época do ano (20 de abril de 1999) mataram 12 pessoas em seu colégio. Aliás, 20 de abril é o aniversário de nascimento de Adolf Hitler, que teria feito 110 anos na ocasião, e aparentemente eles estavam "comemorando". Quando falamos em Hitler, imediatamente uma idéia de encarnação do mal nos vem à mente, e é quase como se falássemos de alguém que sequer foi um ser humano, estando mais próximo do filho de um demônio ou algo assim. Esse orgulho não nos ajuda em nada, é preciso admitir que pertencemos à mesma espécie animal que Adolf, Harris, Cho, todos os traficantes do Rio de Janeiro, todos os terroristas do Iraque, e por aí vai. Podemos considerá-los desequilibrados - e geralmente são - mas no fundo temos algo em comum com todos eles, gostemos ou não.
No caso dos massacres suicidas, não podemos nem ao menos dizer que se trata de uma disputa de poder. O principal intuito desses criminosos é se comunicar. Cho realizou um crime-desabafo, em parte por sentir que o ambiente onde vivia não o integrava. Em um mundo onde ninguém vale pelo que é, apenas pelo que produz e acumula, o cálculo foi esse: "Quanto mais mortes eu causar, mais vão me respeitar". A humanidade estaria perdida se todos seguissem este exemplo, mas convém ouvir o que se oculta por trás da mensagem. Não aquilo que ele diz nos vídeos, no entanto o que faz com que surja uma expressão tão radical como a de seu gesto.
Nem tudo tem solução, sociedade alguma conseguiria curar todos os males, evitar todos os crimes, sanar todas as aflições. Mas uma coisa deveria ser bastante óbvia: quanto mais a linguagem oficial for excludente, mais frequente, por parte dos ressentidos, será o uso da violência para se expressar. Não é apenas com os assassinos que há algo de errado. Era de bom-tom que chefes de Estado de diversos países declarassem suas condolências aos 32 norte-americanos mortos; na mesma semana, contudo, centenas de iraquianos foram dizimados e os cariocas viveram momentos de guerra civil. Em todo o planeta, aparentemente, ninguém demonstrou muita preocupação. Afinal, se o conflito é entre pobres-coitados, não há grandes motivos para se preocupar. Nas entrelinhas, parece ser este o discurso oficial.

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