12.07.2006

O pesadelo orgânico de Janaina Tschäpe


São duas as exposições de Janaina Tschäpe em cartaz na cidade, em plena época de Bienal - exatamente quando todo o mercado de arte de São Paulo atinge sua temperatura máxima. Isso demonstra o prestígio que a artista conquistou no circuito comercial, tendo há muito ultrapassado o rótulo de “esposa de Vik Muniz”. Para além do sucesso mais frívolo, temos, no Paço das Artes e na Galeria Fortes Vilaça, boas oportunidades para averiguar se seu trabalho possui tanta força quanto a reputação que vem conquistando.
A foto e o vídeo dominam o Paço das Artes, retrospectiva com várias etapas de sua obra; na Galeria Fortes Vilaça, são enormes aquarelas, seus trabalhos mais recentes, que dão cor à exposição. Não é de se estranhar a variedade de linguagens empregadas: há uma evidente inspiração pictórica em suas fotografias, e, nas pinturas, a busca pela mesma ambientação insólita de trabalhos anteriores. Em suas próprias palavras, sua aventura é a de “retratar não o mundo dos sonhos, mas a sensação de estar em um.” Esses sonhos, na maior parte das vezes, são perturbadores, muitas vezes representando o corpo como uma moradia bizarra. Bolhas, bexigas e tentáculos de borracha presos aos modelos, fazem com que seus corpos, contraditoriamente, pareçam a um mesmo tempo pesados e leves. Pesados: os movimentos são torpes e lentos, lutam contra a gravidade da terra ou contra a água; leves: porque coloridos e plenos de ar.
Janaina Tschäpe assume desde o nome uma identidade um tanto deslocada. O “Tschäpe” denota sua origem alemã, e “Janaina” revela brasilidade. O racionalismo e a precisão típica de um país, e a paixão e visceralidade de outro se confluem em perfeita harmonia, numa obra que diz respeito a lugares e tempos mais íntimos que as demarcações de fronteira. As flores e frutos de sua série "Botanica" não compõem o cenário de uma floresta tropical. São alucinações fotografadas, em que as cores vibram intensamente: azuis, vermelhos, laranjas e verdes impossíveis, incandescentes. Os modelos humanos de 'Melantropics" não desbravam a mata; caminham dentro de sonhos, deixando-se deformar pelo ambiente. Brincando de deus, Janaina converte as leis da natureza em uma espécie de pesadelo orgânico.
A literatura, pode-se notar, influencia a obra da artista. Nota-se uma qualidade narrativa mesmo nas fotografias, enganosamente estáticas. Seus modelos são mais propriamente personagens que outra coisa, incitam-nos a imaginar de que mundo fantástico poderiam ter surgido. Romantismo gótico alemão, Novalis e Borges inspiraram a atmosfera melancólica de alguns dos trabalhos, como nos belíssimos "He drowned herself as she called him to follow", "Blood, sea" e "Lacrimacorpus". Uma de suas séries chama-se "Água viva', como o livro homônimo de Clarice Lispector. Há semelhanças entre estas duas: o fascínio pelo insólito, o estranhamento diante dos detalhes, o poder de síntese, e a aproximação entre animalesco e divino no ser humano.

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