2.24.2010

Guilherme de Almeida Prado

Em pleno sábado de carnaval, lá estava eu com este grande cineasta, na Lanchonete da Cidade, para trocarmos impressões sobre nossos trabalhos. Um dia antes de eu farrear encarnando um travesti, na Dorotéia de Boiçucanga, nada mais justo que encontrar ao vivo, depois de algumas conversas ao telefone, um diretor que não hesita em confudir gêneros. Gêneros sexuais, no que lembra Almodóvar, mas especialmente cinema com pintura, filme noir com pós-modernismo e diferentes referências musicais.

Ele começou a carreira na boca do lixo, como assistente de pornochanchadas. Aliás, este é o assunto de seu proximo projeto, em uma comédia sobre os bastidores desse universo. Com A Dama do Cine Shangai, de 1987, ganha o prêmio do Festival Gramado. Seu filme mais redondo é A Hora Mágica, onde explora com muita competência a transição da era do rádio para a era da televisão. Contudo, meu preferido dele é Onde Andará Dulce Veiga, que vocês podem baixar gratuitamente aqui. O filme não "vazou", foi o próprio Guilherme que liberou para a rede. Apesar de não ter sido bem compreendido pela crítica, é um filme que precisa ser visto. Guilherme interferiu diretamente no negativo, combinando padrões de cores arrebatadores com as cenas filmadas. Até mesmo pétalas de flores e asas de borboleta foram coladas na película. A Dulce Veiga do título é uma diva da música dos anos 60 há muito esquecida, interpretada por Maitê Proença. O jornalista Caio tenta resgatar seu passado quando é incumbido de cobrir a banda de sua filha, uma roqueira lésbica (Carolina Dickemann, em uma atuação ousada).

As duas divas, mãe e filha, uma apresentando versões suaves, outra, estridentes, da mesma canção, confundem os sentimentos de Caio. O peso que a música ganha, de uma geração para a outra, sinaliza o quanto o mundo ficou mais elétrico e tenso. Quanto ao nome do personagem principal, não é Caio à toa - trata-se de uma adaptação de romance homônimo de Caio Fernando de Abreu.

Basta uma espiada nas cenas do trailer para concluir que a crítica especializada - no Brasil, careta a ponto de se chocar com Cleópatra de Bressane - bem que tentou anular o filme, mas este sobreviverá. Não dá para negar que estamos diante de uma obra das mais experimentais e singulares que já se produziu em nossas terras.

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