Aos 26 anos, começa a me dar comichão de escrever um livro auto-biográfico. Não sei se é uma velhice precoce, um certo medo de morrer sem mostrar quem fui, ou porque sinto estar no final de um grande ciclo da minha vida. Acho que narrar esses meus anos “de formação” daria uma história tão boa, e tão inusitada, quanto qualquer ficção que eu pudesse criar. Quem leu meu livro de estréia sabe o quanto minha imaginação adentra territórios pouco explorados – porém a minha vida ninguém teria sido capaz de imaginar, nem eu, nem Garcia-Marquez, nem Balzac, ninguém.
Se eu contasse numa mesa de bar, dia após dia, minha trajetória inteirinha para um desconhecido, duvido muito que ele acreditasse, por mais crédulo que fosse. Aliás, mesmo que eu a narrasse para meus melhores amigos, cada um só aceitaria um pedaço, diria que o resto “não é a minha cara”. Colocar tudo no papel é a única maneira de provar que todas as minhas faces se amalgamam numa pessoa só. Posso já conhecer alguma coisa do enredo, mas para torná-lo convincente, realista, eu teria que caprichar na forma, chegar numa linguagem tão elástica quanto a diversidade do personagem em questão.
O mais difícil de compreender são os meus contrastes. Vou dar exemplos, sem aprofundar. Como é que posso ter feito uma performance terrorista-poética, com um megafone, diante de centenas de pessoas, se até os quinze anos eu era tão travado que não sabia sequer conversar? Como posso ter cenas de putaria das mais desinibidas no currículo, sendo tímido como até hoje sou? Ou o oposto: como posso manter uma inocência romântica quando me apaixono, depois de ter transposto os limites da decência? E como posso ser tão forte em alguns momentos, e tão decepcionantemente frágil em outros? Por último, que tipo de intelectual eu sou, que recebe elogios dos nossos melhores escritores, mas não consegue evitar um sem-fim de burrices que somente um retardado mental cometeria?
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