10.26.2006

O voto dos desiludidos

Pela terceira vez o ombudsman, Marcelo Beraba, aprovou um texto meu, mas a Folha rejeitou por falta de espaço. Até aí, tudo bem. O que me aborrece é eu passar pelos crivos mais exigentes e não ser chamado nem para a Folha Trainee. Paciência. Ao menos o texto está aqui, para quem quiser ler.

Tamanha é a falta de opção satisfatória no processo eleitoral deste ano, que muitos se sentem tão céticos quanto, em 1899, sentia-se diante de Marechal Deodoro da Fonseca. Naquela ocasião, o sentimento popular, de maneira geral, foi de enorme descrença quanto à promessa de participação nas questões políticas. Não houve muito entusiasmo por parte do povo com a deposição de Pedro II, talvez devido a uma intuição, não totalmente enganada, de que a democracia não diminuiria de fato a distância entre governantes e governados.
Durante o século XX, foi crescendo o anseio por um Estado que solucionasse os problemas do país, e após experiências as mais variadas – a introdução do populismo por Getúlio, o projeto de JK de ocupação e unificação do território, a opressão da ditadura militar, o alívio do retorno às diretas, um impeachment por corrupção, um ex-operário que assume a presidência – chegamos a 2006 com uma pulga enorme, das mais molestas, atrás de cada uma das orelhas.
Apesar da posição que tais pragas ocupam em nossas cabeças, não convém falar em um antagonismo, na atual disputa, entre “esquerda” e “direita”. Aliás, qualquer polaridade se mostraria ilusória, desde que aqueles que tanto criticavam o neoliberalismo passaram a adotá-lo, ou desde que nenhum dos grandes partidos consegue falar em ética e honestidade sem que isto soe ridículo, mero jogo de palavras que só convence aos mais ingênuos. O clima de ceticismo entre eleitores bem informados só pode ser comparado à apatia com que se viu, no final do século XIX, o marechal apresentar-se presidente, distante e alheio aos eleitores, com pompa de imperador. Contudo, até a década passada, a política esteve presente, bem mais próxima, nos corações dos brasileiros “de esquerda” – quando esta aparentemente existia.
Lembro-me do romantismo com que eu acompanhava minha mãe, muito menino, a fazer boca-de-urna na porta dos colégios eleitorais. Íamos munidos com bottons, adesivos, bandeirinhas, e exaltávamos um partido que defendia os trabalhadores, que combatia a corrupção, cujos líderes desejavam um país mais justo. Os confrontos eram apaixonados: militantes da causa “Rouba mas faz” tinham tanta garra quanto nós, e a pequena criança tímida que eu era se sentia vivendo um momento decisivo, gritava o nome do partido. Agitavam-se com a mesma intensidade bandeiras aliadas e adversárias, e ao acreditar nos candidatos que julgávamos os mais justos, sentíamo-nos parte de um belo ideal coletivo.
As cenas de que me lembro com mais cores remetem-se há dez ou quinze anos atrás. O contraste com o momento atual é avassalador. Foi com desânimo que me encaminhei no primeiro turno para a zona eleitoral. Os amigos que tradicionalmente votavam na esquerda se mostravam igualmente desconsolados. Nesse percurso, não pude deixar de levantar uma série de questionamentos.
Seria mesmo possível um partido político que se nutrisse de utopias, ou era desde o início sonho de criança? Devemos chamar as transformações ocorridas no PT de traição e desvio, ou foram exigências de uma realidade mais complexa do que se supunha? Ou não convém esperar mais daqueles que estão hoje no poder, pois são seres humanos, e como tais corruptíveis? A democracia é mesmo a melhor forma de governo? O voto nulo funciona como protesto ou na prática é conivência? E, talvez o ponto crucial: os melhores dentre os homens saberiam resistir às tentações do poder, e se sairiam bem e com maior competência, ou é ingenuidade manter tamanha vontade de pureza em nossas idealizações?
Por mais que pareça tarefa impossível, dadas as afeições que carregamos ao longo dos anos, eu gostaria de ser racional e ponderado em meu julgamento, no momento de voltar às urnas para um segundo turno. Quero estar, ao menos, acima dos preconceitos tanto do “petismo até a morte” quanto do “anti-petismo fanático”, duas cegueiras demasiado parciais. O eleitor que tenha aprendido com a experiência irá decidir, neste ano, não apenas aquilo que considera mais interessante para si e para o país, como também assinalará qual sua posição diante do que os aspectos mais ásperos que a realidade tem revelado.
Tenho bem claro para mim que não há saída incólume.

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